O objetivo desta seção é demonstrar para os leitores da Elite a complexidade das questões propostas para a prova de Literatura.
Com isso, pretendemos também afirmar que a leitura das obras indicadas pelos vestibulares é indispensável, pois é através do contato com o texto integral que podemos desenvolver percepções e entendimentos que subsidiarão as respostas esperadas pela banca. Nesse sentido, as análises das produções selecionadas são de fundamental importância, pois nos esclarecem questões implicadas nos textos, muitas delas não captadas num processo de leitura às vezes raso e pouco revelador.
Polêmicas à parte, a decisão é de cada um, e não vou dizer que os resumos também não ajudem. Atenção: eu disse “também”. Acho realmente que, depois da leitura de um livro, consultar essas fontes é uma decisão sensata, que poderá confirmar ou corrigir determinadas compreensões. Atenção outra vez: eu disse “depois”. Porque, ainda que muito bem elaborado, nenhum resumo dará ao leitor acesso integral à obra. E não estou falando apenas de detalhes, mas sobretudo da linguagem e do estilo do autor – aspectos que vão muito além da história ou de uma lista de características que não são suficientes para o que se espera dos candidatos.

(BENETT. Disponível em: http://www.seuguara.com.br/2017/03/o-que-cabe-em-um-livro-charge-do-benett.html. Acesso em 08-01-2025).
QUESTÃO DISSERTATIVA – FUVEST 2025
Recentemente, pesquisadores identificaram a presença de Machado de Assis entre os convidados da família imperial brasileira para a missa campal realizada em comemoração à abolição da escravatura. A fotografia mostra participantes da missa ocorrida no dia 17 de maio de 1888 no Campo de São Cristóvão, Rio de Janeiro, com a presença da princesa Isabel, do Conde D’Eu e de outras celebridades do Império, além do escritor (no destaque, circulado).
Observe a fotografia e leia o trecho de Quincas Borba:

Antonio Luiz Ferreira. Missa campal celebrada em ação de graças pela Abolição da Escravatura no Brasil, 1888. São Cristóvão, Rio de Janeiro. Fonte: Acervo Instituto Moreira Salles.
“Na esquina da Rua dos Ourives deteve-o um ajuntamento de pessoas, e um préstito singular. Um homem, judicialmente trajado, lia em voz alta um papel, a sentença. Havia mais o juiz, um padre, soldados, curiosos. Mas, as principais figuras eram dois pretos. Um deles, mediano, magro, tinha as mãos atadas, os olhos baixos, a cor fula, e levava uma corda enlaçada no pescoço; as pontas do baraço iam nas mãos de outro preto. Este outro olhava para frente e tinha a cor fixa e retinta. Sustentava com galhardia a curiosidade pública. Lido o papel, o préstito seguiu pela Rua dos Ourives adiante; vinha do Aljube e ia para o Largo do Moura.
Rubião naturalmente ficou impressionado. Durante alguns segundos esteve como agora à escolha de um tílburi. Forças íntimas ofereciam-lhe o seu cavalo, umas que voltasse para trás ou descesse para ir aos seus negócios – outras que fosse ver enforcar o preto. Era tão raro ver um enforcado! Senhor, em 20 minutos está tudo findo! – Senhor, vamos tratar de outros negócios! E o nosso homem fechou os olhos, e deixou-se ir ao acaso.”
Machado de Assis. Quincas Borba.
A relação entre a obra de Machado de Assis e a questão afrobrasileira é complexa. Ao longo do século XX, houve o que a crítica chamou de um “branqueamento” da figura desse que é considerado nosso maior escritor.
A-A partir do trecho citado do romance Quincas Borba, é possível caracterizar o personagem Rubião como um apoiador do abolicionismo? Justifique sua resposta.
A postura de Rubião não está exatamente definida, seja ela do ponto de vista político ou ético. Por um lado, ele demonstra uma curiosidade que deslinda, por vezes, para uma satisfação em assistir ao enforcamento do negro – nada que não possa ser compreendido a partir das curiosidades da natureza humana. Mas também é possível notar em sua conduta certo descaso no sentido de que aquele enforcamento não era mais importante que “outros negócios” de que precisava cuidar. De maneira que não é prudente caracterizar o personagem, assertivamente, como alguém que apoia o abolicionismo – não há nele um júbilo ou entusiasmo que o arrastasse, independente de qualquer coisa, para aquele mórbido espetáculo, como seria natural esperar de um entusiasta da escravidão.
B-Explique a tensão entre a fotografia e o excerto, considerando a caracterização da sociedade brasileira do fim do século XIX, tal como representada no romance.
Uma fotografia dessa natureza é uma forma bastante legítima de “relatar” o perfil da sociedade brasileira do Segundo Império. Como um escritor afrobrasileiro de tamanha importância, não é surpreendente que Machado estivesse entre os convidados para a missa de comemoração da abolição em nosso país. Visto por outro lado, não deixa de soar estranha a presença de um mulato entre os convidados da família imperial – grupo de pessoas caracterizadas pelo privilégio e o favor. Essa mesma “incongruência” se faz notar em Quincas Borba: há no protagonista um desejo de estar no enforcamento e, ao mesmo tempo, indiferença diante da situação, preferindo ir tratar de “assuntos mais importantes”. Assim, é possível identificar uma ambiguidade nas condutas, quer na fotografia, quer no romance – uma espécie de jogo entre euforia e desinteresse. Essa dicotomia também é verificada nas personagens machadianas que refletem as características da sociedade local do século XIX retratada a partir das relações de essência x aparência, idealismo x conveniência.
QUESTÃO DISSERTATIVA – FUVEST 2025
“(…) O Expressionismo foi uma estética que se manifestou primeiro na pintura, na segunda metade do século XIX, tendo entre seus pioneiros o pintor holandês Vincent Van Gogh (1853-1890) e o pintor norueguês Edward Munch (1863-1944). Em Van Gogh é como se o vigor das pinceladas e a violência das cores passassem a ser mais importantes do que a perfeição geométrica do desenho. Isso porque, para o expressionista, bem mais importante do que fotografar objetivamente a realidade, é expressar (daí o adjetivo expressionista) subjetivamente o choque da realidade no ser humano.”
GOMES, Alexandre Rodrigues. Cartografia do expressionismo na literatura de língua portuguesa, 2018. Disponível em https://pos.uea.edu.br/data/area/dissertacao/download/34-14.pdf.
A-A partir do texto, aponte dois aspectos da estética expressionista na obra Os ratos, de Dyonélio Machado. Justifique a sua escolha.
O Expressionismo ocupou-se de diversos temas: opressão política e psicológica, violência, dor, tristeza, descontrole emocional, depressão, exploração econômica, etc. – questões sociais e emocionais que colocavam o homem em profundo desajuste. O romance de Dyonélio Machado apresenta alguns desses assuntos, como a opressão social e psicológica, a exploração socioeconômica, a angústia e o desespero, tudo expresso por meio de uma percepção bastante subjetiva e distorcida da realidade. Esses comportamentos decorrem do estado em que se encontra Naziazeno, fruto de um sistema social aniquilador pelo qual é igualmente afetado como indivíduo e ser social.
B-Os traços expressionistas de Os ratos aproximam a obra dos padrões literários do chamado regionalismo de 1930? Explique.
A presença de elementos expressionistas em Os ratos acrescenta um elemento não propriamente comum ao regionalismo de 30. Não se pode negar que as narrativas dessa geração já eram investidas de teor psicológico, mas a expressão extremamente subjetiva da realidade (menos documental, portanto) e a atmosfera onírica retiram da obra aquele caráter substancialmente realista e predominantemente objetivo. O romance de Dyonélio Machado não prioriza as causas sociais dos problemas, mas – e este é o foco – suas consequências para a saúde mental e emocional dos indivíduos.