
Todos nós já ouvimos alguém dizer: “É uma questão de tempo”, “Dê tempo ao tempo” ou “O tempo é sábio”, entre outras, para não nos alongarmos em tantas expressões que nos ajudam a aceitar a posição das coisas em nossas vidas quando nos sentimos impotentes por não termos o entendimento devido ou a solução necessária para os problemas que se nos impõem. Na mitologia grega, Cronos é o deus desse elemento, filho de Urano e Gaia. Indomável, tinha o poder de a tudo devorar, podendo, portanto, determinar os destinos.
Ecos dessas significações reverberam ainda nos dias de hoje, sobretudo numa sociedade na qual, na medida em que avançou, passou também a organizar todas as suas atividades contando os dias, as horas e os minutos. Pois a verdade é que, histórica ou subjetivamente, o tempo pode, entre outras possibilidades, ser entendido como o momento em que se pratica o logos, isto é, o exercício do ato racional – é no presente que agimos mediante a possibilidade de uma reavaliação crítico-reflexiva do passado e uma prospecção do futuro. Não é aqui imprudente dizer que, na contemporaneidade, temos experimentado a tensa relação entre indivíduos sobrecarregados e assinalados por suas humanas e naturais limitações e uma sociedade cuja forma de vida é crescentemente marcada por uma aceleração sobre a qual não temos domínio, tampouco a mesma celeridade – não raras vezes essa impotência tem gerado um sentimento de vazio desencadeado pela irrecuperabilidade do que passou e pela consciência das incertezas quanto ao que está por vir.
Uma das questões a serem observadas nesse complexo contexto são as variações de percepção sobre o tempo – do que se pode falar numa relatividade. Basta pensarmos que, em situações idênticas, um indivíduo pode achar que as coisas se arrastaram, como se não fossem mais terminar; já outro tem a impressão de brevidade e impermanência, algo do tipo não se dar conta de que algo já terminou.
Hoje, enquanto escovamos os dentes, olhamos apressados no celular as mensagens ainda não lidas; colocamo-nos a par das notícias ouvindo podcasts quando dirigimos para o trabalho; aceleramos o vídeo porque não há disponibilidade para o percurso das reflexões, que são demoradas e atrasam os resultados. Sim, estamos na “sociedade do cansaço”, que tão bem descreveu Byung-Chul Han, filósofo sul-coreano que estudou o indivíduo contemporâneo submetido a sofrimentos psíquicos motivados pela configuração de uma sociedade multitarefa.
Decorridos séculos e séculos da nossa história, ainda continuamos iludidos com a vontade de controlar os instantes: retardar o envelhecimento, encontrar fórmulas para a longevidade, inventar máquinas apressadoras que realizem nossas demoradas tarefas com eficiência e agilidade. Mas a verdade é que o descompasso entre o nosso ritmo e a indiferença do relógio às expectativas criadas permanece sem solução.
Dito de outro modo, não somos Zeus, o único filho que depôs aquele senhor que a tudo rege. Cronos ainda nos governa, e, enquanto sustentamos esse embate, como as crias do deus devoradas uma a uma, continuamos frágeis e vulneráveis – estamos perdendo tempo.

Uma dança para a música do tempo (1638) – Nicolas Poussin
A composição do pintor francês, calculada a partir de precisas medidas geométricas e ordenada distribuição de imagens, apresenta excitante reflexão sobre o tempo, o destino e a condição humana. Os dois rostos de Jano sobre o pilar à esquerda sugerem o velho que olha para o passado e o jovem que vislumbra o futuro. Abaixo, a frágil bolha lembra-nos a efemeridade da vida. E, na roda da existência (note-se a dança de movimento circular), movem-se a Riqueza, o Prazer, o Trabalho e a Pobreza, todos igualmente embalados pela música executada pelo Pai Tempo, ao lado de quem se encontra uma criança com uma ampulheta.
Reflexão de todas as eras, como as grandes obras de arte, o tempo é questão inesgotável e instigante; e, como também o Belo, está além do que a nossa capacidade racional é capaz de compreender. Mas, por algum motivo, insistimos, porque, do alto da nossa humanidade, nos comprazemos até com aquilo que nunca saberemos explicar.

(BECK, Alexandre. Disponível em: https://feedobem.com/tirinha-armandinho-011/. Acesso em 30-12-2024).
A verdade é que, submetidos a tantas demandas, muitas vezes desejamos que o dia tivesse bem mais que 24 horas. A garantia de manutenção de um modelo de vida centrado na produtividade impôs um inescapável padrão linear de contar as horas a ponto de termos deixado de lado as memórias do passado as quais precisam se enraizar em nós como base para as ações presentes e para a construção de um devir que, em algum momento, chegará. Resta saber como, mas isso só o tempo dirá…