Fora de moda

Estar na moda não é mais ser o que vestimos, porém vestirmos aquilo que evidencia o que somos

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Vivemos numa sociedade em que os padrões de aceitação estão o tempo todo vigilantes, de sorte que somos, ao mesmo tempo, alvos e atiradores numa arena de conflitos e tensões na qual se determina o que é lícito, bonito, elegante, pertinente, transgressor, feio, inadequado ou inaceitável.

É óbvio que cada um tem o seu “jeito de ser”: a personalidade se expressa por comportamentos, pensamentos, posturas, sentimentos e ações que caracterizam, de maneira particular, como vivemos e o que somos. Mas não se pode negar que muito do que existe em cada pessoa resulta de expectativas e pressões sociais – a alteridade –, diante das quais pode haver uma resposta de conformidade ou rejeição.

Somos constantemente avaliados em todos os aspectos: como falamos, a aparência física, o carro que temos, os lugares que frequentamos, entre tantos outros. E um dos quesitos a que estamos mais sujeitos é o que vestimos. Sim, “estar na moda” é um fator preponderante para a criação de uma imagem que resultará em aprovação ou censura dos julgamentos alheios.

De maneira geral, a moda é uma livre expressão das nossas preferências relativamente a roupas, sapatos, acessórios, etc. Assim, ao menos em parte, traduz uma espécie de “estilo de vida”. Seus “parâmetros” estão relacionados a um contexto: a época, o lugar e a circunstância específica para aceitarmos esta ou aquela predisposição.

Para a aristocracia francesa dos séculos passados, a ideia vincula-se a refinamento, elegância – cointerie: apresentar-se melhor diante dos outros, atraindo a atenção positivamente e criando boa impressão por meio de arranjos e artifícios. É provável que isso tenha contribuído para relacionar o sentido do vocábulo com o campo semântico de elite, alta-costura e dinheiro. Mas os tempos avançaram e, gradativamente, o termo foi sendo ressignificado a ponto de se tornar sinônimo da expressão de comportamentos injustamente tratados como “subcultura”, do que resultaram novidades que fizeram cair por terra a ideia de que estética é um valor absoluto.

Em termos mais objetivos, podemos, portanto, definir a palavra como um sistema que, nos limites do tempo, do espaço e dos costumes aciona determinadas formas de vestuário as quais têm, então, seu significado dentro de um contexto.

Independente de discutirmos o termo pela acepção de um padrão mais elitizante ou como legitimação de gostos de grupos não favorecidos economicamente, o fato é que há por trás disso toda uma indústria que atinge nossos bolsos e comportamentos. Tecidos, cortes, cores, texturas, tingimento – tudo ajuda a compor o produto e estabelecer um valor. E nesse processo, ainda há o estigma da marca, que continua sim a fazer muitas cabeças!

Para os indivíduos mais suscetíveis às consequências de possíveis reprovações, a preocupação em satisfazer às expectativas é sempre maior, e isso é muitas vezes motivo de sofrimento em ocorrências que poderiam ser tratadas com menos gravidade. Mas que menina não quer que o vestido da formatura seja o que mais vai impressionar o salão? Que rapaz não deseja hoje que a calça e a camiseta não delineiem com precisão aquele corpo forjado em longas horas na academia? A vaidade, enfim, nem sempre resulta apenas do que os outros esperam, mas do que nós mesmos desejamos – e isso nunca saiu de moda.

Entretanto existem pessoas que, acima de quaisquer projeções da coletividade, querem se afirmar, demarcar posição, gosto, ideologia e personalidade. Aí todo o valor do produto reside mais na satisfação de quem veste e menos no olhar de quem observa. A moda transformou-se em atitude. E, diante disso, os julgamentos perdem cada vez mais o sentido.

A moda, como o jeito de cada indivíduo se colocar no mundo, expressando seus valores, gostos e decisões estéticas com autenticidade decorre, em grande parte, de um tempo em que se está, com justiça, dando voz e legitimando os pontos de vista dos mais diversos grupos étnicos, regionais e culturais, de maneira que as diferenças sejam não um elemento estranho, mas um componente natural da vida em sociedade – é um gesto político e democrático. Dessa forma, por meio das escolhas, há um processo de afirmação da identidade que, aos poucos, tem tirado de cada um ao menos parte daquele peso de às vezes ter de agradar mais aos outros que a si mesmo.

Qual é, afinal, o problema de não querermos seguir o “padrão atual”? Ora, daqui a 10 anos, ou menos, quando olharmos uma fotografia, vamos rir ou até sentir vergonha de como nos “sujeitamos” àquele figurino que na época era o máximo! Quem nunca?… E quem imaginaria que os biquínis, que tanto alvoroço provocaram e deram o que falar, não passariam hoje de produtos triviais inofensivos e, por direito, refratários a qualquer linchamento moral? Ainda bem.

E não pensem que essas preocupações são particularidades das mulheres. Cada vez mais, os homens têm assumido suas vaidades e contribuído para movimentar o mercado da beleza e da elegância.

Todos os dias, quando nos levantamos e escolhemos a roupa, os sapatos, o relógio e penteamos os cabelos, estamos fazendo moda. Felizmente, essa decisão não está mais investida apenas da aprovação social, mas de uma imagem associada a conforto, autenticidade e bem-estar. Não vivemos em passarelas, e sim no mundo real, e nele se tornou démodé impor padrões que desrespeitam a subjetividade. Então, ser fashion é ocupar uma posição de superioridade diante de qualquer produto ou expectativa. Estar na moda não é mais ser o que vestimos, porém vestirmos aquilo que evidencia o que somos.

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Escrito por:

Emerson Rossetti

Professor com mais de 30 anos de experiência no ensino médio e superior. Formado em Letras, com Doutorado em Estudos Literários, desenvolve trabalhos voltados também para o estudo da MPB e da História da Arte.

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