Qual é a música?

“Infinito ao meu redor” é o documentário que resulta da tour realizada por Marisa Monte com os CDs "Infinito Particular" e "Universo ao meu redor"

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“Pedindo pra voltar”

Composição: Carlinhos Brown e Alain Tavares

Interpretação: Marisa Monte

Do “Infinito ao meu redor” (2008), documentário que resulta da tour realizada por Marisa Monte, retiramos a canção que, embora curta, é, na execução, repetida três vezes e com arranjos caprichados e oportunos ao sentido da letra. O trabalho de registro resulta dos shows de divulgação dos CDs “Infinito particular” e “Universo ao meu redor”, lançados simultaneamente em 2006.

Na primeira parte, domina a voz suave e sempre afinada da intérprete, marcada por uma performance mais contida, quase como a de quem, despretensiosamente, relata um fato; a segunda execução abre-se com uma atuação mais incisiva dos instrumentos, mas especialmente da cantora, cujo timbre afasta-se do tom aveludado para exercitar uma pronúncia impetuosa, gutural, por isso mesmo mais impaciente, teatral e declamatória; finalmente, a terceira e última parte intensifica tais características e supervaloriza a potência vocal de Marisa Monte nos prolongamentos de sílabas e no dramatismo da exibição. A respeito dessa repetição, é possível interpretar não somente a reincidência do caso, como também a insistência do amante ciumento que, após os arroubos de desconfiança, busca outra vez a mulher.

O 1º verso inicia-se com o verbo “ficar”, cujo sentido é de permanência a reiterar um sucessivo comportamento – o apelo; o gerúndio da forma “pedir” está a serviço de ratificar essa persistência. Neste mesmo momento, sabemos que a mulher o deixou por ser ultrajada, e agora ele clama, solicitando que ela retorne. É interessante que, apesar de ofendida, condiciona sua decisão ao que ele quer: “Se quiser que eu volte, voltarei”. Entretanto, a conjunção adversativa “mas” apresenta uma exigência: “Não faça novamente o que me fez”. Aqui o advérbio “novamente” adverte que o eu lírico não parece disposto a negociar uma possível reincidência da conduta masculina.

Cumpre notar que “fica pedindo” – “quiser” – “faça” – “fez” têm como sujeitos “você”; já as formas “voltar” – “volte” – “voltarei” – “peço” enunciam as ações dela, as quais se resumem basicamente ao que o outro solicita: a reconsideração da partida, clamor aceito apenas diante dos termos propostos em forma de imperativo: “Não faça”.

A 2ª estrofe esclarece a indignação da mulher relativamente às razões motivadoras das suspeitas: “até do meu perfume”; a palavra “até”, modalizadora, propõe a ideia dos excessos cometidos pelo homem cujos receios se manifestavam a partir das coisas mais infundadas e absurdas. E não apenas: “E dos meus amigos também tinha ciúmes”. Se a conjunção “e”, aditiva, faz progredir o rol de motivos, a palavra inclusiva “também” aponta outra fonte igualmente inaceitável de desentendimentos entre o casal. O 3º verso da estrofe é revelador da decisão já tomada mesmo diante dos percalços: “Eu vou lhe beijar mais uma vez” – ela acede, não sem deixar explícito que também sente vontade de regressar, para o que a escolha do verbo “beijar” contribui significativamente, abrindo margem para a interpretação de que, para além das motivações racionais, o amor e o desejo são terminantemente superiores. Impulsivos? Todavia, repete: “Não faça novamente o que me fez” – mais para ele ouvir e não se tornar perseverante no mau procedimento ou para ela se convencer de que está tomando a decisão mais acertada?

Capa do documentário Infinito ao meu redor (2008)

A título de complementaridade, nas repetições das estrofes há modificações quanto à pronúncia do verbo “fica” – primeira palavra da canção. Assim, em cada uma das partes, o referido vocábulo é cantado com mais ênfase e demora, acompanhado do instrumental que se impõe com prolongada força sonora e vibração até o limite do fôlego da intérprete, demonstrando que eram tantas as investidas do amante que a ela, saturada, vencida pelo cansaço, não restaram alternativas senão a de uma nova chance. Mas nem essa maldisfarçada ideia de que a concessão resulta da teimosia dele encobre que igualmente tinha a mesma vontade. Assim, sem julgamentos nem repreensões, só há uma conclusão possível: os dois se merecem, não pelos erros que cometem, mas pelo que lhes é superior à reconhecida imperfeição, porque somente isso explica a aproximação – e, em se tratando de afetos, é o que basta.

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Escrito por:

Emerson Rossetti

Professor com mais de 30 anos de experiência no ensino médio e superior. Formado em Letras, com Doutorado em Estudos Literários, desenvolve trabalhos voltados também para o estudo da MPB e da História da Arte.

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